“O Rio de Janeiro é a capital mundial do jabaculê.” – Sebastião Rodrigues Maia [1942 – 1998]
A inclusão do expoente maior do Metal Extremo nacional – o KRISIUN – no casting do último Rock In Rio, que se encerrou na madrugada de hoje, mostrou-se um grande acerto por parte da produção do evento.
Formado no Rio Grande do Sul em 1990, o Krisiun é uma história rara – pra não dizer única por medo de ser injusto – de uma banda que não contou, em momento nenhum de sua carreira, com ‘boi’ de nenhum tipo. Nada veio fácil pra eles. Tudo foi construído com adversidade, e adversidade aqui não se refere só ao fato de o trio de irmãos tocar um estilo – propositalmente – avesso a tudo que é massificado, pasteurizado e suavizado para as massas. Os Kolesne não só ficaram alheios a ‘esquemas’, ‘prezas’ e ‘brodagens’ típicos da viciada cena musical paulistana, como também foram contra ela. Alheios à asquerosa panelinha editorial e midiática de São Paulo que se julga proprietária do Metal no Brasil, o aríete Death Metal construiu sua fortaleza sônica com sangue e suor em cada tijolo.
E foi celebrando mais um alvo destroçado que o Krisiun subiu no palco Sunset na tarde desse domingo, 22 de Setembro, para tornar-se a primeira banda de Death Metal a tocar na história do festival.
Verdade seja dita: Roberto Medina e seu staff não dão ponto sem nó. Muitos podem reclamar da falta de certo tipo de gêneros na escalação do festival a cada edição, mas não haveria sentido gastar com mais um palco, equipamento, equipe técnica, transmissão televisiva e despesas operacionais com bandas que não atraem público. Se está no palco do Rock In Rio, ou é comercialmente viável e/ou artisticamente legítimo, ou é por jabá. Mas voltaremos a falar disso em breve.
Quando o SEPULTURA finalmente chamou a atenção da mídia brasileira – em 1989, após a revista inglesa NME elogiar o álbum ‘Beneath The Remains’ [o brasileiro tem essa latente necessidade de se ver pelos olhos do colonizador, sempre] – a segunda edição do RIR confirmou o quaternário então liderado por Max Cavalera em sua lineup. Sob as melhores condições? Longe disso. Mas colocando o grupo em rede nacional de televisão com imagens profissionais e associando-o a nomes como JUDAS PRIEST, MEGADETH e GUNS N’ ROSES. Foi a primeira banda de Metal extremo a tocar no Rock In Rio, e a parceria foi tão bem-sucedida para ambas as partes que fica difícil hoje em dia imaginar um Rock In Rio, seja doméstico ou internacional, sem a presença de Andreas Kisser.
Ontem, acompanhados da metralhadora Thrash teutônica, o DESTRUCTION, o Krisiun expôs, para um público sem tamanho espalhado pelo globo, toda a maestria que conquistou em seus instrumentos ao longo de quase 30 anos de prática, e alternou material de seu catálogo com o grupo de Marcel Schmier e Mike Sifringer, além de um cover para ‘Black Metal’, dos decanos ingleses do VENOM. O show – que na verdade era titular do Destruction com participação especial dos gaúchos – acabou sendo uma jam avassaladora com direito a um dos maiores mosh pits já vistos desde a primeira edição do Rock In Rio, em 1985.
“O rock brasileiro é uma farsa comercial” – ‘AIDS, Pop, Repressão’, Ratos de Porão.
Tudo isso sem jabá, sem payola, sem forçar a barra, sem vocalista beócio fazendo discursos demagogos sobre a conjuntura política e social do país, sem vaidade, nenhum músico no palco pagando de bad boy quando na verdade está sendo visto como comédia boy naipe Paulo Ricardo. O Krisiun só tem uma meta, sempre: tocar pra arregaçar, dar aos presentes um show que valha mais do que o que eles pagaram pelo ingresso, seja num palco gigante para 50 mil pessoas, seja num fim de tarde de domingo para seis pessoas num bar do ABC em 1993 [como eu testemunhei pessoalmente]. O SLAYER pode ter sido aviltado ao ser posto para tocar antes do pastiche New Kids On The Block, o Avenged Sevenfold, mas os nativos de Ijuí lavaram a alma dos fãs de Metal com o marco de ontem.
Numa terra onde o underground chora mais do que faz, pede mais do que oferece e conspira muito mais do que agrega, o Krisiun é a evidência essencial de que uma banda que faz um som marginal, num país miserável, com uma cena que insiste em se sabotar numa biblioteca de ignorância e falácia, pode realizar QUALQUER coisa que se proponha, sem ego nem deslumbramento.
Aposto um dos meus bagos que esses caras ainda tocam em Donington.
Fonte: Resenha - Krisiun (Rock In Rio, Rio de Janeiro, 22/09/13) http://whiplash.net/materias/shows/188795-krisiun.html#ixzz2fm5SG38R